O aspirante a rei do cacau do Brasil pretende revolucionar a indústria com uma fazenda gigante

RIACHÃO DAS NEVES, Brasil, 22 de abril (Reuters) – No estado brasileiro da Bahia, o agricultor Moisés Schmidt está desenvolvendo a maior fazenda de cacau do mundo.

Seu plano é revolucionar a maneira como o principal ingrediente do chocolate é produzido, cultivando cacaueiros de alto rendimento, totalmente irrigados e fertilizados, em uma área maior que a ilha de Manhattan, que atualmente não é conhecida pela produção dos grãos.

O plano de US$ 300 milhões de Schmidt é o maior e mais inovador da região, mas não o único. Há projetos gigantescos semelhantes em desenvolvimento, alguns quase tão grandes, à medida que grupos agrícolas bem capitalizados buscam aplicar expertise em agricultura em escala industrial à produção de cacau para lucrar com os preços altíssimos dos grãos.

Se esses planos derem certo, o centro de gravidade da indústria poderá voltar para o Brasil, de onde o cacaueiro é nativo da África Ocidental.

“Acredito que o Brasil se tornará o celeiro de cacau do mundo”, disse Schmidt à Reuters enquanto caminhava em meio a fileiras e fileiras de jovens cacaueiros que se estendiam até a distância nesta planície de savana na região Centro-Norte do país.

Ele estima que até 500.000 hectares (1,236 milhão de acres) de fazendas de cacau de alto rendimento poderão ser instaladas no Brasil em 10 anos, o que produziria até 1,6 milhão de toneladas de cacau.

Em comparação, o Brasil produz atualmente apenas cerca de 200.000 toneladas, enquanto a Costa do Marfim, maior produtora mundial, colhe 10 vezes mais. Gana, o segundo maior produtor global, produz cerca de 700.000 toneladas do feijão.

Atualmente, a indústria global do cacau está em crise. A produção está fraca na Costa do Marfim e na vizinha Gana , que juntas cultivam mais de 60% do cacau mundial. Uma combinação potente de doenças vegetais , mudanças climáticas e envelhecimento das plantações levou a três anos consecutivos de queda na produção.

Isso tem sido uma má notícia para os amantes de chocolate . Os preços do cacau quase triplicaram em 2024, atingindo o recorde de US$ 12.931 a tonelada em dezembro. Desde então, o preço caiu para cerca de US$ 8.200, mas permanece bem acima das médias históricas.

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Os preços do cacau, o principal ingrediente do chocolate, subiram acentuadamente desde o início de 2024, atingindo níveis históricos

OPORTUNIDADE EM CRISE?

Para Schmidt e outros produtores rurais brasileiros, a crise é vista como uma oportunidade. A empresa familiar Schmidt Agrícola começou a se preparar para o cultivo de cacau em 2019, após concluir, com a ajuda de uma avaliação interna do mercado de cacau, que haveria uma escassez de oferta no futuro.

Schmidt Agrícola começou a se preparar para o cultivo de cacau em 2019, após concluir, com a ajuda de uma avaliação interna do mercado de cacau, que haveria uma escassez de oferta no futuro.

“Nós simplesmente não imaginávamos que isso aconteceria tão cedo”, disse ele, enquanto caminhava pelas estufas de sua fazenda que cultivam mudas.

Sua fazenda planejada de 10.000 hectares (24.105 acres) ofuscaria o tamanho das pequenas fazendas na África Ocidental, que normalmente abrangem algumas dezenas de hectares. Existem grandes fazendas em outros países produtores, como Equador e Indonésia, algumas delas com mais de 1.000 hectares (2.471 acres), mas ainda assim muito menores do que a gigante planejada por Schmidt.

O plano é aplicar técnicas de agricultura em larga escala à fazenda de cacau totalmente irrigada, como se fosse uma plantação de soja ou milho. As árvores da fazenda, localizada no município de Riachão das Neves, no oeste da Bahia serão compactadas, deixando espaço entre elas apenas para irrigação mecanizada e aplicação de fertilizantes e pesticidas.

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Localização de nova área para cultivo de cacau no Brasil

Schmidt está plantando 1.600 árvores por hectare nas novas áreas, em comparação com apenas 300 árvores nas fazendas convencionais. Essa concentração deve significar uma produtividade muito maior por hectare.

“A única coisa que ainda não é mecanizada é a colheita de frutas das árvores”, disse o agricultor.

Alguns veem esse método de agricultura como uma mudança radical.

“Daqui a cinco anos, tudo o que sabíamos sobre a produção de cacau terá mudado”, disse Tales Rocha, agrônomo de cacau da TRF Consultoria Agrícola, empresa que assessora agricultores no Brasil.

Rocha disse que a região do cerrado no oeste da Bahia tem topografia ideal para agricultura em larga escala, com suas extensas extensões planas.

Grupos agrícolas como a Schmidt Agrícola já produzem soja, milho, algodão e frutas em milhares de hectares no Oeste da Bahia, uma região com amplo suprimento de água .

MILHÕES DE MUDAS

Nas novas fazendas, os cacaueiros são cultivados ao ar livre, com bastante luz solar. Isso contrasta com as plantações tradicionais de cacau em outras partes do Brasil e do mundo, onde os cacaueiros compartilham espaço com outros tipos de árvores e recebem alguma sombra.

Schmidt está desenvolvendo árvores de alto rendimento por meio de uma operação de mudas que ele administra desde 2019. Sua equipe produziu novas variedades de cacau por meio da chamada seleção positiva, um projeto de anos de duração em que mudas são multiplicadas a partir de material retirado das plantas que produziram a maior carga de frutos em campos de teste.

As árvores de alto rendimento plantadas em cerca de 400 hectares (988 acres) na primeira fase do projeto estão produzindo cerca de 3.000 quilos por hectare (kg/h), ou 10 vezes a produtividade média das áreas tradicionais de cacau no Brasil. Schmidt afirmou que sua meta é ultrapassar 4.000 kg/h. Isso seria oito vezes a produtividade média de 500 kg/h da Costa do Marfim, maior produtor do país.

Produtividades muito altas, acima de 2.000 kg/ha, foram alcançadas em pequenos campos experimentais administrados pela Comissão Executiva de Planejamento da Lavoura Cacaueira, a agência brasileira de pesquisa do cacau, usando alta densidade de plantas.

Os pesquisadores, no entanto, disseram que os resultados precisariam ser confirmados com plantio em maior escala e acrescentaram que havia dúvidas sobre a viabilidade econômica de tal prática, que exigiria muito cuidado com a cultura e mão de obra.

O viveiro de Schmidt, que opera como uma empresa independente chamada BioBrasil, utiliza máquinas de propagação da fabricante dinamarquesa de equipamentos florestais Ellepot, com capacidade para produzir 10 milhões de mudas por ano. A empresa produz as árvores para a fazenda gigante planejada e também vende mudas para outros projetos de cacau no Brasil.

Algumas pessoas no mercado, no entanto, não têm tanta certeza de que esse tipo de expansão realmente acontecerá no Brasil. “Como sempre, o preço é o principal determinante. Por cerca de US$ 4.000 a tonelada, o Brasil quase não se interessou”, disse Pam Thornton, consultora veterana de cacau e comerciante de grãos.

“Depois de conversar com muitos agricultores brasileiros e visitar diversas grandes fazendas comerciais, acredito que os preços mundiais precisam demonstrar que permanecerão próximos aos níveis atuais por mais um ano ou mais para que eles possam expandir a área plantada, e provavelmente vários milhares de dólares a mais para que isso aconteça de forma significativa”, disse ela.

Schmidt afirma que o cacau produzido por sua operação seria lucrativo mesmo a cerca de US$ 4.000 a tonelada. “Acima de US$ 6.000, é super lucrativo, muito melhor do que soja ou milho”, disse ele.

As projeções de oferta e demanda de longo prazo parecem positivas para os preços, considerando que a produção na África Ocidental está estável ou “presa em um longo ciclo de resultados decrescentes”, disse o veterano corretor e analista de cacau dos EUA, Marcelo Dorea, diretor executivo da M3I Capital Management.

“O mercado deve, a partir de agora, buscar fontes alternativas de produção significativa”, disse ele, acrescentando que o Brasil parece uma opção natural considerando o conhecimento sobre cacau e a disponibilidade de terras.

A GRANDE ESTÁ OBSERVANDO

A Schmidt Agrícola cultiva mais de 35.000 hectares com soja, milho e algodão na Bahia. A empresa possui acordos preliminares por meio de memorandos de entendimento com produtores de chocolate e comerciantes de cacau, afirmou Schmidt.

A Cargill, uma das maiores comercializadoras de commodities e processadoras de alimentos do mundo, já é parceira na fase inicial, que abrange 400 hectares, e está em negociações para expandir a parceria.

Schmidt disse que quase todos os grandes comerciantes de cacau ou empresas de chocolate estão conversando com ele e outros agricultores no Brasil sobre acordos de expansão e fornecimento.

As parcerias incluiriam investimentos para desenvolver os projetos e, em troca, as empresas investidoras garantiriam o fornecimento de cacau, disse ele.

“Estamos trabalhando nos contratos agora”, disse ele, recusando-se a nomear as empresas, citando cláusulas de confidencialidade.

Barry Callebaut (BARN.S), o maior fornecedor mundial de produtos de cacau e chocolate, está em negociações para uma parceria com o grupo agrícola Fazenda Santa Colomba em um investimento para formar uma fazenda de cacau de 5.000 (12.355 acres) a 7.000 hectares (17.300 acres) no município de Cocos, no oeste da Bahia, disseram à Reuters duas fontes familiarizadas com a negociação.
Santa Colomba não quis comentar.

A Barry Callebaut confirmou a assinatura de uma parceria com um grupo agrícola no Brasil para uma fazenda de cacau de 5.000 hectares na Bahia, mas não quis revelar o nome do grupo. O acordo faz parte da Iniciativa

Agricultura do Futuro, lançada pela empresa para impulsionar a produção de cacau de alta tecnologia e diversificar sua presença geográfica.

“Estamos progredindo bem com a FFI e continuamos vendo interesse de parceiros, clientes e investidores no mundo todo”, disse.

A Mars, produtora norte-americana de barras de Snickers e M&Ms, montou um campo de testes de cacau não muito longe da fazenda de Schmidt, em Riachão das Neves, Bahia.

A empresa disse que seu campo de testes na área faz parte de seus esforços para lidar com as mudanças climáticas e a queda da produtividade do cacau ao redor do mundo.

“A Bahia é atraente devido à topografia plana, solos férteis, disponibilidade confiável de água e infraestrutura agronômica estabelecida”, disse Luciel Fernandes, gerente do Mars Center for Cocoa Science no Brasil.

RISCOS POTENCIAIS

Um importante pesquisador de cacau no Brasil, no entanto, está preocupado.

A fitopatologista Karina Peres Gramacho, da CEPLAC, acredita que há riscos para os planos de extensas plantações de cacau no Oeste da Bahia.

O fato de cada um desses megaprojetos ser baseado em milhares de clones do mesmo tipo de árvore pode deixar os futuros campos vulneráveis ​​a doenças, muito comuns no cultivo do cacau.

O Brasil já foi o segundo maior produtor de cacau, atrás apenas da Costa do Marfim, mas um fungo devastador, conhecido como Vassoura de Bruxa, dizimou milhares de hectares de plantações de cacau na década de 1980.

Gramacho apoia a ideia de usar variedades mais desenvolvidas e regionalmente adequadas, geralmente híbridas que combinam qualidades de mais de um genótipo.

Alguns analistas do setor também têm dúvidas sobre a qualidade do cacau cultivado sob luz solar direta, porque frutas produzidas na sombra são normalmente consideradas como tendo sabor superior.

Cristiano Villela Dias, diretor científico do Centro de Inovação do Cacau do Brasil (CIC), diz que alguns testes iniciais com as frutas produzidas no Oeste da Bahia não indicaram nenhuma diferença perceptível no sabor.

“A qualidade dos grãos é muito semelhante à do melhor cacau produzido no Brasil ou em outros países”, disse Villela, acrescentando que o tratamento pós-colheita ideal, principalmente com fermentação e secagem, faria uma diferença maior na qualidade dos grãos.

A Mars disse que testou o cacau produzido na área e não identificou “uma diferença fundamental no sabor ou na qualidade que esteja direta e exclusivamente associada ao cultivo a pleno sol”.

Fonte: https://www.noticiasagricolas.com.br/noticias/hortifruti/398934-o-aspirante-a-rei-do-cacau-do-brasil-pretende-revolucionar-a-industria-com-uma-fazenda-gigante.html

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