Com uma proposta ousada para atrair investimentos internacionais, o Brasil aposta em um visto permanente para estrangeiros interessados em imóveis. No entanto, especialistas alertam: o plano pode trazer consequências inesperadas para o país.
Com o setor da construção civil enfrentando uma de suas piores crises, o governo brasileiro decidiu apostar alto: atrair investidores estrangeiros com a promessa de residência permanente. A estratégia, porém, levanta dúvidas sobre seus efeitos reais no acesso à moradia e na integridade do mercado imobiliário.
Um “visto dourado” à brasileira
O governo Lula oficializou uma iniciativa que já existia, mas era pouco conhecida: o visto de residência permanente para estrangeiros que invistam no setor imobiliário. Para garantir o benefício, é necessário aplicar R$ 1 milhão nas regiões Sul, Sudeste ou Centro-Oeste, ou R$ 700 mil no Norte e Nordeste. Em quatro anos, o investidor pode solicitar a cidadania brasileira.
Embora essa regra exista desde 2018, menos de 800 vistos foram concedidos até hoje. Com a crise no setor, provocada pelos altos juros e pela estagnação da demanda, o governo acredita que o incentivo poderá injetar até R$ 1 bilhão já no primeiro ano. Para promover a iniciativa, está previsto o evento CIMI360, em São Paulo, que pretende apresentar o mercado imobiliário brasileiro a investidores internacionais.
As experiências negativas em outros países
O modelo não é novo. Países como Portugal, Espanha e Chipre já adotaram estratégias semelhantes — e enfrentaram sérias consequências. Em Portugal, por exemplo, o boom de investidores estrangeiros encareceu os aluguéis e reduziu drasticamente a oferta de moradias para a população local, a ponto de o governo excluir imóveis do programa em 2023.
Além da pressão sobre o mercado habitacional, também surgiram casos de uso indevido do visto por oligarcas e criminosos, além da sobrecarga em serviços públicos como a saúde. Especialistas temem que o Brasil possa repetir esse cenário, especialmente devido ao histórico de lavagem de dinheiro no setor imobiliário, sobretudo por grupos mafiosos estrangeiros.
Oferta em excesso e crise habitacional
Diferente da Europa, o Brasil enfrenta um paradoxo: há um enorme déficit habitacional — estimado em 5,8 milhões de moradias — ao mesmo tempo em que sobram imóveis nas grandes cidades. Isso ocorre porque a construção de novos empreendimentos nos últimos anos não foi acompanhada por um crescimento real da demanda.
Enquanto cerca de 25 milhões de brasileiros vivem em moradias precárias, como favelas e ocupações irregulares, muitos apartamentos novos seguem vazios. Mais de 70% das famílias de baixa renda comprometem mais de 30% dos ganhos mensais com aluguel, agravando ainda mais o problema.
Suspeitas, fraudes e investigações
A situação se complica com denúncias de fraudes envolvendo empresas que receberam subsídios públicos para construir moradias populares em São Paulo. Segundo o portal UOL, construtoras teriam desviado o foco dos projetos para atender públicos de maior poder aquisitivo, com imóveis avaliados em até R$ 20 mil por metro quadrado.
O Ministério Público já investiga mais de 1.200 possíveis fraudes, com a participação de nove das dez maiores construtoras da capital paulista. Além disso, o número de leilões de imóveis quintuplicou em dois anos, reflexo do aumento da inadimplência entre os compradores.
Um cenário econômico delicado
O governo vê no visto de investimento uma tentativa de amenizar a crise econômica. O Banco Central reduziu a previsão de crescimento do PIB para 1,9% em 2025. Além disso, o déficit da conta corrente atingiu US$ 17,3 bilhões nos dois primeiros meses do ano — o pior resultado desde 2015.
Apesar do aumento das importações ter contribuído para esse cenário, também houve crescimento nos investimentos estrangeiros diretos. Ainda assim, há receios sobre a eficácia do visto para reverter o momento atual, marcado por insegurança jurídica, violência urbana e alto custo da saúde privada.
O governo aposta também no mercado interno
Diante das dificuldades, o governo decidiu ampliar o alcance do programa “Minha Casa, Minha Vida”. Agora, famílias com renda entre R$ 8 mil e R$ 12 mil também podem participar, adquirindo imóveis de até R$ 500 mil. A medida tenta estimular o consumo interno e aliviar a pressão sobre as construtoras.
Se o visto dourado será um alívio ou um agravante para o mercado imobiliário, ainda é cedo para dizer. Mas uma coisa é certa: o Brasil está apostando alto para enfrentar uma crise que, por enquanto, segue sem solução fácil.
Fonte: https://www.gizmodo.com.br/o-novo-plano-do-governo-pode-mudar-o-rumo-do-mercado-imobiliario-no-brasil-mas-nao-sem-controversias-10158