Número é relativo a 2023 e foi resultado de uma pesquisa exclusiva da Economática à EXAME Invest
Após dois anos desafiadores, o setor imobiliário brasileiro ganhou fôlego e tem chamado a atenção de investidores em 2023. Incorporadoras e construtoras listadas em bolsa, cresceram, juntas, mais de R$ 21,176 bilhões em valor de mercado neste ano, desbancando outros setores como alimentos (que incluem os frigoríficos) e mineração.
O número foi levantado em um estudo exclusivo da Economática enviado à EXAME Invest, que considerou o período de 31 de dezembro de 2022 até 22 de setembro de 2023, e levou em consideração todas as 37 empresas do segmento imobiliário listadas na B3, entre companhias de construção civil e exploração de imóveis.
Em 31 de dezembro, o setor somava R$ 55,696 bilhões em valor de mercado. Já no fechamento da última sessão, na sexta-feira, 22, o número saltou para R$ 76,872 bilhões, um aumento de R$ 21,176 bilhões, o correspondente a uma valorização de 38,02%.
Não só em valor de mercado, mas em lucro o setor também se destaca. Ao aplicar o recorte do Imob (índice que reúne as 17 empresas do mercado imobiliário listadas na bolsa, com maior liquidez), a pesquisa mostrou que o lucro líquido dessas companhias teve um aumento de 125,98% no primeiro semestre de 2023, frente ao mesmo período do ano anterior. No fechamento da sessão desta terça-feira, 26, o Imob valorizou 26,17% no ano.
Por que o setor imobiliário valorizou?
Queda dos juros
O setor imobiliário, historicamente, tem uma relação inversa com a taxa de juro e sofreu o impacto da Selic, que saltou de 2%, em março de 2021, para 13,75%, em agosto de 2022. Essa elevação, segundo os analistas ouvidos pela reportagem, prejudicaram o setor, visto que ele depende de juros baixos para poder vender seus empreendimentos, por meio de financiamentos, por exemplo.
Com a elevação das taxas de juro em todo o ano de 2022, ações do setor imobiliário estiveram entre as maiores quedas do período. Já no ano de 2023, a expectativa de quedas mais acentuadas nos juros, mesmo com alguma volatilidade, melhorou a visão do mercado sobre essas empresas. Sendo assim, boa parte das altas deste ano foram uma correção das fortes quedas observadas em 2022”, diz Carlos André Marinho Vieira, analista-chefe do TC/Economática.
A expectativa do início do ciclo de corte da Selic já era vista desde janeiro. Como aponta Gustavo Cruz, estrategista-chefe da RB Investimentos, a curva de juros — ou seja, os vencimentos mais longos — do começo do ano até o momento apresentou uma queda relevante. “[A queda na curva de juros] barateia o financiamento e é mais promissor para essas empresas do setor de construção”, comenta.
Em agosto, as previsões se concretizaram. No dia 2, o Comitê de Política Monetária (Copom) cortou em 0,50 p.p. (pontos percentuais) a Selic e, nesta última quarta-feira, 20, reduziu novamente em mais 0,50 p.p., levando a taxa básica de juro para 12,75%.
O impulsionador para os cortes foram, principalmente, os avanços políticos-monetários no Congresso, como o arcabouço fiscal e a reforma tributária, é o que explica Caio Nabuco de Araújo, analista da Empiricus Research. “A partir de março, quando a gente teve o princípio do ajuste fiscal, com uma tendência mais favorável para o ambiente macro, nós observamos uma valorização significativa dos ativos imobiliários”, afirma.
Programa ‘Minha Casa Minha Vida’
Alex Carvalho, analista CNPI da CM Capital, relembra que, nos anos anteriores, o setor imobiliário não recebeu tanta atenção do governo. Contudo, em 2023, o cenário mudou. “Incentivos como o novo programa ‘Minha casa Minha Vida’ impulsionaram o mercado imobiliário, principalmente as companhias focadas em imóveis de baixa renda”, destaca.
Dentre as novidades, o governo aumentou a renda mensal das famílias que podem se encaixar no programa, o que, consequentemente, aumenta a base de consumidores potenciais. Além disso, também houve um aumento de valor máximo que o imóvel pode custar.
Agora, famílias que residem em áreas urbanas podem ter renda mensal de até R$ 8 mil, enquanto famílias de áreas rurais podem ter renda anual de até R$ 96 mil. Em relação ao valor do imóvel, para famílias da faixa 1 (com renda até R$ 2,64 mil) e famílias da faixa 2 (com renda até R$ 4,4 mil), o limite ficou entre R$ 190 mil e R$ 264 mil, dependendo da localidade.
“As medidas aumentam a oferta potencial das empresas que, às vezes, nem vislumbravam participar do programa. Como elas já tinham imóveis sendo levantados, ajustaram o percentual para se encaixar como ‘Minha Casa Minha Vida’. É benéfico, então, tanto da oferta quanto da demanda”, destaca Cruz.
Redução dos custos dos insumos
A redução dos custos dos insumos, de acordo com os especialistas, também foi outro fator que contribuiu para a alta do setor imobiliário neste ano. Como 2021 e 2022 foram marcados por preços de construção elevados, as margens das empresas, consequentemente, foram pressionadas. Já em 2023, o mercado apresenta preços mais em conta.
Os analistas também citam a revisão do plano diretor, que impulsiona a demanda, especialmente em São Paulo, além dos bons resultados demonstrados em todo o setor, que animaram os investidores e trouxeram uma performance acima da média para o segmento ao longo do ano.
Setor imobiliário à frente de setores destaques
O estudo da Economática levou em consideração empresas com ações negociadas na B3, ativas e com valor de mercado em 31 de dezembro de 2022. Ao todo, foi levantado o valor de mercado de 341 empresas, divididas em 40 setores. Destes, apenas 21 ganharam valor de mercado em 2023. O setor imobiliário, por sua vez, está em quarto lugar, perdendo somente para empresas do setor de petróleo e gás, intermediários financeiros e transporte.
Ganho em valor de mercado por setores
Quantidade de empresas | Subsetor Bovespa | Valor de mercado em 31/12/2022 (em milhares) | Valor de mercado em 22/09/2023 (em milhares) | Variação absoluta (em milhares) | Variação relativa |
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12 | Petróleo, gás e biocombustíveis | R$ 462.162.109,69 | R$ 600.482.946,23 | R$ 138.320.836,53 | 29,93% |
25 | Intermediários financeiros | R$ 846.372.249,05 | R$ 918.741.944,54 | R$ 72.381.584,05 | 8,55% |
14 | Transporte | R$ 94.423.288,09 | R$ 116.866.338,06 | R$ 22.443.049,98 | 23,77% |
37 | Construção e exploração de imóveis | R$ 55.696.355,96 | R$ 76.872.885,74 | R$ 21.176.529,77 | 38,02% |
7 | Telecomunicações | R$ 97.735.484,42 | R$ 115.568.715,78 | R$ 17.833.231,37 | 18,25% |
35 | Energia elétrica | R$ 470.118.685,54 | R$ 467.344.898,90 | R$ 16.563.651,90 | −0,59% |
5 | Madeira e papel | R$ 91.931.562,28 | R$ 105.647.489,79 | R$ 13.978.245,52 | 14,92% |
10 | Diversos | R$ 78.565.409,44 | R$ 90.365.398,87 | R$ 11.799.989,43 | 15,02% |
8 | Previdência e seguros | R$ 111.901.468,97 | R$ 120.037.870,01 | R$ 8.136.401,04 | 7,27% |
8 | Material de transporte | R$ 22.648.725,51 | R$ 30.361.750,40 | R$ 7.713.024,88 | 34,06% |
5 | Água e saneamento | R$ 54.947.643,67 | R$ 61.068.142,50 | R$ 6.120.498,83 | 11,14% |
2 | Produtos de uso pessoal e de limpeza | R$ 16.264.346,19 | R$ 22.091.077,66 | R$ 5.826.731,47 | 35,83% |
7 | Serviços diversos | R$ 9.809.034,47 | R$ 14.759.151,87 | R$ 4.950.117,40 | 50,46% |
6 | Viagens e lazer | R$ 9.719.743,20 | R$ 13.468.413,70 | R$ 3.748.670,50 | 38,57% |
3 | Automóveis e motocicletas | R$ 5.752.342,89 | R$ 8.618.489,20 | R$ 2.866.146,31 | 49,83% |
17 | Tecidos vestuário e calçados | R$ 26.137.580,49 | R$ 27.301.357,79 | R$ 1.163.777,30 | 4,45% |
1 | Embalagens | R$ 1.971.211,55 | R$ 3.021.858,00 | R$ 1.050.646,45 | 53,3% |
1 | Mídia | R$ 1.419.450,71 | R$ 2.098.935,68 | R$ 679.484,97 | 47,87% |
8 | Agropecuária | R$ 61.402.807,26 | R$ 61.775.639,01 | R$ 372.831,75 | 0,61% |
3 | Holdings diversificadas | R$ 12.221.715,84 | R$ 12.533.227,09 | R$ 311.511,25 | 2,55% |
1 | Materiais diversos | R$ 28.664,76 | R$ 35.865,06 | R$ 7.200,30 | 25,12% |
1 | Outros | R$ 59.036,40 | R$ 54.751,50 | -R$ 4.284,90 | −7,26% |
1 | Equipamentos | R$ 105.666,08 | R$ 99.556,77 | -R$ 6.109,31 | −5,78% |
3 | Hotéis e restaurantes | R$ 2.273.495,05 | R$ 2.233.515,85 | -R$ 39.979,20 | −1,76% |
11 | Alimentos processados | R$ 98.113.518,56 | R$ 97.975.742,92 | -R$ 137.775,63 | −0,14% |
2 | Medicamentos e outros produtos | R$ 1.860.110,18 | R$ 1.597.317,27 | -R$ 262.792,91 | −14,13% |
5 | Construção e engenharia | R$ 2.026.430,16 | R$ 1.639.767,18 | -R$ 386.662,98 | −19,08% |
3 | Utilidades domésticas | R$ 7.457.606,94 | R$ 6.931.761,69 | -R$ 525.845,25 | −7,05% |
1 | Gás | R$ 17.213.347,40 | R$ 16.171.853,94 | -R$ 1.041.493,46 | −6,05% |
14 | Programas e serviços | R$ 27.992.553,49 | R$ 26.187.952,60 | -R$ 1.804.600,89 | −6,45% |
6 | Químicos | R$ 32.771.088,36 | R$ 29.801.637,85 | -R$ 2.969.450,51 | −9,06% |
3 | Computadores e equipamentos | R$ 14.564.757,80 | R$ 10.265.910,54 | -R$ 4.298.847,26 | −29,52% |
10 | Serviços médico-hospitalares análises e diagnósticos | R$ 131.133.913,27 | R$ 126.273.569,35 | -R$ 4.860.343,92 | −3,71% |
9 | Siderurgia e metalurgia | R$ 93.471.040,85 | R$ 82.759.872,61 | -R$ 10.711.168,24 | −11,46% |
7 | Serviços financeiros diversos | R$ 92.233.608,63 | R$ 81.244.103,24 | -R$ 10.989.505,39 | −11,91% |
13 | Máquinas e equipamentos | R$ 176.487.477,36 | R$ 161.431.619,11 | -R$ 15.055.858,25 | −8,53% |
1 | Bebidas | R$ 228.569.992,20 | R$ 206.596.559,68 | -R$ 21.973.432,52 | −9,61% |
12 | Comércio e distribuição | R$ 156.771.355,45 | R$ 133.687.240,26 | -R$ 23.084.115,18 | −14,72% |
19 | Comércio | R$ 82.739.612,79 | R$ 56.946.241,24 | -R$ 25.793.371,55 | −31,17% |
5 | Mineração | R$ 440.986.624,75 | R$ 334.758.141,71 | -R$ 106.228.483,04 | −24,09% |
O estudo chama a atenção por mostrar que, em valor de mercado, o setor imobiliário se sobressaiu a setores que normalmente são destaques para o mercado, como o de alimentação, que engloba os frigoríficos como JBS (JBSS3) e Marfrig (MRFG3), e mineração, que inclui a Vale (VALE3).Para noções de comparação, o setor de mineração, que é composto de cinco empresas, registrava R$ 440,986 bilhões em valor de mercado em 31 de dezembro de 2022. Em 22 de setembro de 2023, esse valor foi para R$ 334,758 bilhões, uma queda de R$ 106,228 bilhões, o que corresponde a uma desvalorização de 24,09%, a colocando como o setor na bolsa que mais perdeu valor de mercado no período.
Já o setor de alimentos, que engloba 11 empresas, em 31 de dezembro de 2022, valia R$ 98,113 bilhões. No último dia do estudo, esse valor caiu para R$ 97,975, uma perda de R$ 137,776 milhões, ou seja, 0,14%.
“A agromineração, por exemplo, acabou caindo justamente porque, no ano passado, tivemos um pico nos preços de commodities internacionais após a guerra na Ucrânia, que foi se dissipando ao longo de 2022 e neste ano também. Ano que vem vai continuar em queda, com a tendência de economias mundiais crescendo menos e os preços de commodities caindo”, explica Cruz, da RB Investimentos.
Carvalho, da CM Capital, destaca a dependência do Brasil em relação à China, que é o maior comprador de minério de ferro, além de se destacar na aquisição de grãos e carne bovina. Como o país asiático não apresentou o crescimento esperado, os ganhos de companhias que exportam para o país recuaram. Além de tudo, a China vivencia um cenário imobiliário desafiador, com grandes incorporadoras em recuperação judicial.
Já Vieira, do TC, ressalta a forte queda do dólar, o que significa menores receitas de exportadores, sobretudo empresas de mineração, do agronegócio e de alimentação, como os frigoríficos. No dia 31 de julho, a divisa americana fechou a sessão em R$ 4,72, a menor cotação desde 20 de abril de 2022, quando fechou em R$ 4,61.
Quais são as queridinhas dentro do setor?
Para a Empiricus Research, a casa está bem posicionada em Cyrela (CYRE3). Apesar de ter registrado uma alta acumulada de aproximadamente 62% em 2023, o analista Araújo ainda vê espaço para subir, já que a companhia tem demonstrado resultados acima da média dos pares.
“Cyrela também tem um volume de lançamentos muito interessante, com projetos específicos que levam a marca dela, e uma diversificação entre negócios que, na nossa visão, é bem construtiva para a operação. Nós acreditamos que seja um momento atrativo, dado esse contexto de queda de juros, aliado a melhorias operacionais. [Para nós], Cyrela é o maior nome entre as companhias de média e alta renda”, pontua.
Em relatório recente, o Santander enfatizou o papel CYRE3 como o queridinho entre as incorporadoras de média e alta renda. Por conta disso, elevaram o preço-alvo de R$ 22,50 para R$ 28 para 2024, o que representa um upside aproximado de 40% em relação à cotação das 11h desta quarta-feira, 27, de R$ 22,05.
Já para a RB Investimentos, a top pick do setor, também pensando em alta renda, é Eztec (EZTC3). Já na faixa de menor renda é Plano & Plano (PLPL3). “A gente entende que a Eztec tem executado positivamente em regiões da grande São Paulo, conseguindo ir para bairros que, às vezes, não parecem tão óbvios – e vender muito bem”, comenta Cruz.
Ainda segundo o analista da RB, a Plano & Plano tem apresentado um crescimento consistente, de forma ordenada e com o endividamento controlado. À EXAME Invest, Carvalho, da CM Capital, também destacou a companhia como top pick.
“Na nossa visão, resultados trimestrais sólidos e acima do esperado, e expectativa de bom desempenho para o 3T23, são fatores que podem impulsionar o papel de Plano & Plano, que ainda é considerado com preço descontado”, comenta Carvalho, acrescentando que a casa tem preço-alvo de R$ 13,30, um upside de mais de 53% em relação ao preço do fechamento desta quarta-feira, 27, de R$ 8,82.
FONTE: https://exame.com/invest/onde-investir/setor-imobiliario-desbanca-mineracao-e-frigorificos-e-ganha-r-21-bi-em-valor-de-mercado/